sexta-feira, junho 15, 2012

Forte era o Titanic e um dia afundou-se…

(A convite do Blog In Concreto, a coordenadora da JS Rio de Mouro, Mariana Burguette, escreveu este texto que agora partilhamos no Blog do nosso núcleo)


Muito se fala da crise, do Estado, do estado a que o Estado chegou…no fundo, do quão triste que é para muitos viver o agora! Ao ser convidada para escrever num blog, e agradeço desde já o convite que me foi endereçado, penso que é útil refletir sobre os diversos conceitos que diariamente saem da nossa boca tão facilmente. Além de útil, apetece-me! Conceitos como: liberdade, libertinagem, livre, expressão, escolhas…são tão simples, tão moral e politicamente corretas, que a sua verbalização faz parte de qualquer discurso. Contudo, quando analisamos a operacionalização desses conceitos, nem sempre a prática plasma a teoria. É um pouco do: tão bem prega Frei Tomás… Vou centrar-me nos dois primeiros conceitos: Liberdade e Libertinagem. Começo pela sua definição semântica. Liberdade é, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa: “direito ou condição que uma pessoa tem de poder dispor de si; ousadia; franqueza; familiaridade demasiada; atrevimento; regalias.” Libertinagem entende-se como: “Modo libertino de viver. Outrora, descrença; incredulidade; vida de libertino; devassidão; ausência de limites.” Assim sendo, não se devem confundir. Isto significa que devemos saber quando estamos perante um direito, o direito a ser livre, o direito a escolher, o direito a expressar. No entanto existe o reverso: até que ponto é que eu posso dizer o que quero? Até que ponto é que ao sermos livres não estamos a entrar no espaço da libertinagem? Por outro lado, esta reflexão pode ser muito relativa. O que é liberdade para mim para outro pode ser entendido como ausência de respeito e educação. A liberdade, como diz o dicionário, é o direito mas também a condição que uma pessoa tem de poder dispor de si mesma, daí resultar fundamental o exercício de respeito pela liberdade do Outro. A liberdade, na minha opinião, parte de um suposto de duas vertentes: o direito e o dever. O direito que temos à nossa livre escolha e o dever de respeitar a liberdade que assiste às escolhas dos demais. Para tal, convém resultar claro na nossa vivência a distinção inequívoca entre liberdade e libertinagem. A libertinagem como já referi é o mau uso da liberdade, ou seja, o excesso de liberdade de tal forma que pode prejudicar terceiros. É o sentir que se é livre ao limite de escravizar a liberdade alheia pela não coincidência de escolhas. É a escravidão civilizada, pretensamente democrática, que na ânsia de ampliar a liberdade própria, limita e subjuga a livre expressão cognitiva, amputa a individualização, reforça a fidelização em nome de valores que apenas configuram seguidismo, por força de objetivos em tudo alheios aos valores enunciados e proclamados. Quando alguém não aceita uma desindividualização imposta e se recusa a compactuar com o menor dos males, a convivência em sociedade dos que acreditam na liberdade e dos que praticam a libertinagem poderá não ser pacífica. Mau grado a turbulência provocada, convenhamos que refletir, tomar decisões, optar em nome daquilo em que se acredita também não é pacífico, sobretudo quando vai contra o endogrupo. Ser exogrupo não é tranquilo. Em ultima análise, o exercício de autoconhecimento, de confronto com a medida de nós mesmos não é um mar sem ondas. Viver é ultrapassar essas ondas. Como? Há dois caminhos: Acreditar em nós, ou apostar na boleia social. Exercitar o respeito pela inteligência de cada um ou usar a pressão dos consensos; acreditar nas próprias braçadas ou ir a reboque do navio que se ergue majestoso. Prefiro sempre a primeira opção. Os navios são cascos de noz perante a força das tempestades. Afinal o Titanic era tão forte e um dia afundou-se…


Mariana D’Almada Burguette Coordenadora do Núcleo JS Rio de Mouro