sexta-feira, fevereiro 20, 2009

PORTUGAL QUATRO ANOS DEPOIS

RUI PEDRO ANTUNES
JOÃO PEDRO HENRIQUES
Como é que chegámos a este ponto de termos que ir almoçar a casa da tua mãe?" A pergunta que Nuno Silva, 39 anos, fez à mulher Isabel relata uma situação que o vendedor comercial "nem nos piores sonhos imaginava há quatro anos". Não são raras as vezes em que o casal e os dois filhos, de 7 e 15 anos, são obrigados a ir comer a "casa dos avós" por falta de dinheiro.

O "pesadelo" começou com uma história comum: a família Silva, tal como milhares de outras no País, recorreu a créditos para comprar casa e carro. Porém, de um momento para o outro, Isabel ficou desempregada e, segundo Nuno Silva, "tudo se complicou". O dinheiro, que já não era em abundância, deixou de ser suficiente para pagar os empréstimos aos bancos. Apesar das várias tentativas de Isabel para arranjar emprego, aos 37 anos, vê serem-lhe negadas as oportunidades de trabalhar numa caixa de supermercado ou num call center por ser "demasiado velha".

A situação da família Silva tem vindo a piorar de ano para ano. "Se não fosse a ajuda dos meus pais e dos meus sogros, não sei como seria", conta Nuno. O salário de vendedor "mal chega para pagar as contas" e muito menos para a prestação da casa, o que fez a família recorrer ao gabinete de apoio ao sobreendividamento da Deco.

No entanto, nem esta ajuda foi suficiente para evitar a primeira perda: o carro. Os vários meses de dívida tornaram impossíveis as negociações e o banco acabou mesmo por penhorar o veículo.

É num tom combalido que Nuno Silva lembra como foi perder o meio de transporte da família, há poucos dias: "Senti-me muito triste e, ao mesmo tempo, lembrava-me da alegria que tive no dia em que o fui buscar ao stand. Tive que o tirar da frente da minha casa para outra rua, para a minha família não ver o reboque a levar o 'nosso' carro".

A família Silva vive no Cacém, mas pelo País fora existem milhares de outros agregados familiares na mesma situação. Também o clã Martins, de Braga, vive com mais dificuldades do que há quatro anos. "Isto está muito mau. Muito pior. Em quatro anos a situação tornou-se extremamente assustadora". O desabafo é de Iracema Martins que, aos 63 anos, vive uma situação atípica. O filho perdeu o emprego há precisamente quatro anos e, segundo Iracema, "nunca mais conseguiu arranjar trabalho na área". Tal levou a que o agregado fosse aumentado, uma vez que o filho com 42 anos passou a viver na casa da família e a ficar dependente dos pais.

O único ordenado que entra na família Martins é o do marido de Iracema que aos 68 anos continua a trabalhar na venda de materiais de construção civil. "Mas o negócio está mau", conta. Segundo Iracema, a situação é ainda agravada pelo facto dos netos, com 20, 14 e 8 anos, "almoçarem muitas vezes lá em casa".

A vida destas famílias mudou tanto nos últimos quatro anos que a cultura, o lazer e até a própria alimentação passaram para segundo plano. "Já não é a mesma coisa nas idas ao supermercado e nem me lembro da última vez que fomos jantar fora. Também já não fazemos férias, limitamo-nos a ir uns dias à praia no Verão por causa dos miúdos", lamenta Nuno Silva. Já Iracema que "gosta muito de ler" passou a considerar a compra de um livro ou as idas ao cinema como "coisas supérfluas".

Com o afogo destes quatro anos até na saúde a família foi obrigada a cortar. "O dinheiro nunca chega para a farmácia e quando alguém precisa de ir a um médico privado, simplesmente, não vai", confessa Iracema.

Épocas como o início das aulas são autênticas dores de cabeça para a família Silva. No arranque do ano lectivo, Luana, de 7 anos, e Micael, de 15, só conseguiram ter os livros que precisavam porque Nuno desviou o dinheiro do subsídio de férias e os familiares ajudaram.

Quanto às culpas da situação, Nuno Silva não poupa o Governo dizendo que "quem gere não tem feito um bom trabalho". Porém, confessa "não perceber muito de política" e aponta o dedo às empresas: "Há por aí muitos patrões a aproveitarem-se da crise para despedirem trabalhadores e quem sofre são as famílias". Por outro lado, Iracema Martins diz que José Sócrates "até tem ajudado os mais velhos" e atribuí as culpas "à crise mundial".
Em 20 de Fevereiro de 2005 - passam hoje precisamente quatro anos - não foi só o PS que conquistou a primeira maioria absoluta da sua história. Foi também o PSD que, liderado por Pedro Santana Lopes, sofreu um dos maiores desaires eleitorais da sua história: 28,7%, 75 deputados e uma evidência: hoje, em tese, é possível fazer uma revisão constitucional sem os sociais--democratas. A esquerda parlamentar, em conjunto, representa quase 60% do eleitorado. E 143 em 230 deputados.

Mas o que parece sobrar das expectativas da esquerda vencedora em 2005 é muito pouco. José Medeiros Ferreira, professor universitário, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros num governo PS (foi ele quem assinou o pedido de adesão de Portugal à então CEE) afirma que "ficou alguma coisa pelo caminho" na "esquerda moderna" que José Sócrates prometeu ao país na moção com que baseou a sua eleição, em 2004, como líder do PS.

"Foi péssima a prioridade dada ao défice público e basta ver agora como a Europa se mostra elástica com as imposições do Pacto de Estabilidade [que obrigariam a um défice máximo de 3% do PIB]", afirma o ex-ministro (e também ex-deputado, além de ex-lutador contra a ditadura antes do 25 de Abril).

Lamentavelmente, no seu entender, o PS "encarregou-se de fazer as reformas que a direita não quis fazer - e esse não querer não foi por acaso". Falhou portanto "na justiça social e na redistribuição da riqueza", querendo com isso dizer que "ficou sem bandeiras de esquerda". Ou, por outras palavras, há-de um dia ter "um regresso à oposição muito mais difícil" do que seria inicialmente previsível. Porque andará anos a ser criticado com reformas como as que levaram a ser aumentada a idade da reforma ou a diminuir as pensões.

André Freire, politólogo, que em algumas ocasiões tem colaborado com o PS (preparou, por exemplo, uma reforma eleitoral que os socialistas puseram rapidamente na gaveta), sublinha, precisamente, que um dos "pontos fracos" da governação "socrática" foi a sua propensão para actuar de "forma musculada". "Não se distinguiu das maiorias de Cavaco Silva, pelo contrário. E acho que até irá sofrer os efeitos perversos desta forma de governar mais cedo do que Cavaco Silva sofreu", afirma. "Este registo não é de esquerda moderna. Uma esquerda não trata os cidadãos como se fossem súbditos."

Segundo o politólogo, um dos "pontos fracos" da maioria socialista revelou-se também na reforma da segurança social. "Era necessária, tendo em vista a sua sustentatibilidade mas foi feita com os custos mal distribuídos." Dito de outra forma: "os custos dessa reforma recaíram sobretudo sobre os assalariados e menos sobre as empresas, os custos foram sobretudo para o trabalho e pouco para o capital."

Outro "ponto fraco" residiu, segundo André Freire, na "contradição" entre "aposta na ciência e tecnologia" e um "brutal desinvestimento nas universidades públicas". "Não se percebe como uma coisa se compagina com a outra."

Em Janeiro de 2006, Manuel Alegre desafiou o seu partido e concorreu às presidenciais contra o candidato oficial do partido, o fundador Mário Soares. Surpreendentemente (ou talvez não...) foi o primeiro no campeonato da esquerda nessa eleição, conquistando 21% dos votos, ou seja, cerca de 1,1 milhão de votos. Soares ficou-se pelos 15%. Alegre, aparentemente, "capturou" nessa eleição uma parte importante dos eleitores do PS já nessa altura descontentes.

Hoje, todos os dias, o vice-presidente da Assembleia da República continua a agitar o seu milhão de votos perante a direcção do PS, ameaçando romper e alimentando reuniões conjuntas com o Bloco de Esquerda, com desiludidos do PCP e com outros independentes de esquerda, nomeadamente da área sindical.

Falando ontem ao DN, o ex-candidato presidencial só recordou quatro medidas como algo que o PS possa reivindicar como de esquerda: o referendo ao aborto, a procriação medicamente assistida, o novo regime do divórcio e a Lei da Paridade. Tudo o resto é "desilusão". Se o Governo não cair entretanto, em Outubro se verá o destino eleitoral dessa desilusão.

in DN

é este o jornalismo que temos???????